1. Se a questão relativa aos bens adquiridos durante o casamento e a partilha desses bens já foi apreciada na ação de separação judicial, na qual o acordo celebrado entre as partes foi devidamente homologado pelo juízo, descabe ao autor reprisar tal questionamento, que já se encontra coberto pelo manto da coisa julgada. 2. O fato de os formais de partilha não terem sido registrados nas matriculas dos imóveis não invalida o acordo homologado, pois se trata de ato jurídico perfeito, onde foi manifestada livremente a vontade das partes. 3. Não constitui promessa de doação nem mera liberalidade o acordo, que foi homologado em juízo, através do qual o casal estabeleceu que os imóveis seriam doados aos filhos, tendo sido ajustada a instituição de usufruto vitalício em favor do varão relativamente ao prédio da gráfica e à ex-esposa relativamente ao imóvel residencial. 4. Tendo o autor ficado com os instrumentos de trabalho usados na gráfica por ocasião da separação, tem ele direito a restituição destes bens, caso estejam na posse do filho. Recurso provido em parte.
Apelação Cível Sétima Câmara Cível
Nº 70 068 143 502
(Nº CNJ: 0024544-86.2016.8.21.7000) Comarca de São Borja
G.P.N. APELANTE
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A.R.P. APELADOs
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P.R.P.
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G.R.P..
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, dar parcial provimento ao recurso.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, as eminentes Senhoras Des.ª Liselena Schifino Robles Ribeiro e Des.ª Sandra Brisolara Medeiros.
Porto Alegre, 16 de março de 2016.
DES. SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES,
Relator.
RELATÓRIO
Des. Sérgio Fernando De Vasconcellos Chaves (RELATOR)
Trata-se da irresignação de GUILHERME P. N. com a r. sentença que julgou improcedente a ação declaratória de direito à meação e partilha de bens que move contra GUILHERME R. P e OUTRAS, condenando-o ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios ao FADEP, fixados em R$600,00, suspensa a exigibilidade em decorrência do deferimento do benefício da AJG.
Sustenta o recorrente que ajuizou ação cautelar porque seu filho tinha a intenção de vender todos os bens móveis existentes no interior da residência, tendo alguns efetivamente sido vendidos, inclusive os que lhe pertenciam. Alega que, por estar em situação de vulnerabilidade em decorrência dos maus tratos perpetrados por GUILHERME R. P., foi deferida liminar para que retornasse imediatamente ao lar, com determinação ao filho de que se abstenha de agredi-lo física e moralmente. Aduz que, no ano de 2000, separou-se da falecida ONDINA R. P., ocasião em que os bens foram partilhados, tocando à ex-esposa os móveis de uso doméstico e a ele os utensílios de trabalho gráfico, ficando convencionado que o imóvel residencial seria doado aos três filhos, com usufruto vitalício em favor de ONDINA e o prédio onde funcionava a gráfica seria doado aos filhos com usufruto vitalício em favor dele. Diz que a doação não foi perfectibilizada, pois não houve qualquer ato cartorial nem escritura pública, bem como nenhuma das partes realizou qualquer ato judicial de transferência de bens e recolhimento do imposto de transmissão inter vivos. Diz que o imóvel onde funcionava a sua gráfica foi alienado judicialmente e adjudicado, para saldar créditos trabalhistas. Ressalta que a sua meação se mantém intacta, motivo pelo qual os filhos não têm o direito de vender o imóvel ou fazer cessão de direito hereditários a terceiros, retirando-lhe do local que usa como moradia há mais de oito meses. Refere que os bens arrolados na inicial foram por ele adquiridos após a separação e os demais que guarnecem a residência pertencem aos três filhos. Aponta que a Lei nº 6.015/73 não prevê a possibilidade de registro da promessa de doar, o que ocorre com as doações definitivas, consoante art. 167, inc. I, do referido diploma legal. Diz que não há coisa julgada, pois o fato da doação não ter se concretizado, permite-lhe, em qualquer fase, a retratação ou arrependimento. Pretende seja declarado o seu direito à meação do imóvel objeto da matrícula 12.026 do CRI de São Borja/RS e a sua permanência no bem para fins de trabalho, a disponibilidade dos bens pessoais e gráficos apontados na inicial, bem como o prequestionamento dos arts. 167, inc. I, da Lei nº 6.015/73 e 108 do CCB. Pede o provimento do recurso.
O recurso foi recebido no duplo efeito.
Intimados, os recorridos apresentaram contra-razões sustentando que por ocasião da separação do recorrente da mãe deles, ficou estabelecido no acordo celebrado que o imóvel residencial seria doado aos filhos do casal, com instituição de usufruto vitalício em favor de ONDINA, assim como o prédio onde funcionava a gráfica também seria doado à prole, como instituição de usufruto vitalício em favor de GUILHERME P. N. Alegam que a falta de registro da doação não a invalida. Aduzem que a doação foi perfectibilizada, sendo descabida a retratação ou arrependimento. Pedem o desprovimento do recurso.
Com vista dos autos, a douta Procuradoria de Justiça deixou de lançar parecer, por entender ausentes as hipóteses de intervenção.
Foi observado o disposto no artigo 551, § 2º, do CPC.
É o relatório.
VOTOS
Des. Sérgio Fernando De Vasconcellos Chaves (RELATOR)
Estou dando parcial provimento ao recurso.
Com efeito, trata-se de ação declaratória de direito à meação e partilha de bens, na qual o recorrente alega que, pelo fato da promessa de doação dos bens imóveis aos filhos, que foi estabelecida por ocasião da partilha na separação judicial nº 36878, não ter sido registrada nas matrículas dos imóveis, estaria intacto o seu direito de meação relativamente ao imóvel residencial onde a família residia, assim como aos móveis que o guarneciam à época da separação, postulando também os instrumentos utilizados na gráfica que lhe tocou e que estariam na posse do filho GUILHERME.
Observo que a doação aos filhos dos imóveis adquiridos na constância do casamento e a instituição de usufruto vitalício em favor dos doadores, homologado em juízo em 14 de dezembro de 2000 (fls. 09/10), não constituiu mera promessa de doação, nem mera liberalidade, mas obrigação contraída decorrente de transação havida, quando estabelecido o acordo de partilha de bens!
Destaco, ainda, que, pelo acordo, o recorrente assumiu a obrigação de formalizar mediante escritura a doação do bem, tratando-se de ato jurídico perfeito e acabado, expressão livre da sua vontade, não se verificando qualquer afronta ao disposto nos arts. 167, inc. I, da Lei nº 6.015/73 e 108 do CCB .
Portanto, a ausência de registro das doações nas matrículas dos imóveis não a invalida a transação homologada judicialmente, devendo ser considerado que o imóvel residencial com os móveis que o guarneciam tocou à ONDINA, enquanto o prédio da gráfica com os seus instrumentos de trabalho tocaram a GUILHERME P. N., motivo pelo qual em decorrência da morte da usufrutuária, a propriedade plena do imóvel residencial passou aos três filhos.
Assim, é evidente que, tendo a questão relativa aos bens adquiridos durante o casamento e a partilha desses sido apreciada na ação de separação judicial, na qual o acordo celebrado entre as partes foi devidamente homologado pelo juízo, constituindo coisa julgada, descabe ao recorrente reprisar agora aquela discussão, pois a questão relativa à partilha já se encontra coberta pelo manto da coisa julgada.
De outro banda, considerando que o recorrente ficou com os instrumentos de trabalho usados na gráfica por ocasião da separação, tem ele direito à restituição destes bens, caso estejam na posse do filho, o que não ocorre com os bens que guarneciam a residência, pois ficaram com a ex-esposa e GUILHERME P. N., ora recorrente, não logrou demonstrar que os bens arrolados na ação cautelar lhe pertenciam.
Por fim, ressalto que a questão relativa à suposta situação de miserabilidade e abandono em que alegadamente se encontra o recorrente deverá ser discutida em ação própria.
ISTO POSTO, dou parcial provimento ao recurso para reconhecer o direito do recorrente aos instrumentos de trabalho utilizados na gráfica.
Des.ª Liselena Schifino Robles Ribeiro (REVISORA) - De acordo com o(a) Relator(a).
Des.ª Sandra Brisolara Medeiros - De acordo com o(a) Relator(a).
DES. JORGE LUÍS DALL'AGNOL - Presidente - Apelação Cível nº 70068143502, Comarca de São Borja: "DERAM PARCIAL PROVIMENTO. UNÂNIME."
Julgador(a) de 1º Grau: PRISCILA GOMES PALMEIRO
Disponível no site do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul