05 de May de 2015
Direito real de habitação. Inventário

Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves

Tema(s): Direito real de habitação Inventário

Tribunal TJRS

SFVC

Nº 70063470322 (Nº CNJ: 0032410-82.2015.8.21.7000)

2015/Cível

INVENTÁRIO. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO DA COMPANHEIRA. DÍVIDA EM VALOR QUE COMPROMETE QUASE A TOTALIDADE DO IMÓVEL. 1. O direito real de habitação é instituto de natureza eminentemente protetiva do cônjuge ou do companheiro supérstite, para que não fique desamparado após a morte de seu par.2. Havendo herdeiras necessárias, não pode o direito delas sobre o único imóvel inventariado ser obstado, pelo reconhecimento do direito real de habitação à companheira, quando se vê que (a) o imóvel foi adquirido na constância do casamento do falecido com a ex-esposa, mãe da inventariante, antes da união estável, e (b) quando a recorrente, que ficou ocupando o bem, deixou de pagar o condomínio e o IPTU, contraindo dívida em valor expressivo, comprometendo a herança na sua quase totalidade. 3. Descabe manter a posse do bem pela ex-companheira, quando há necessidade de atender a dívida, com possível alienação do bem, para possibilitar o pagamento das despesas do processo e das dívidas do espólio, o que torna imperativa a desocupação, com a entrega das chaves à inventariante, pois cabe a esta a administração do patrimônio inventariado e providenciar na conclusão do processo de inventário. Recurso desprovido.

Agravo de Instrumento

Sétima Câmara Cível

Nº 70063470322

(Nº CNJ: 0032410-82.2015.8.21.7000)

Comarca de Porto Alegre

ELAINE CORREA DE OLIVEIRA

AGRAVANTE

KETLLEN LENTZ RIBEIRO

AGRAVADOs

ESPOLIO DE ENOR GILBERTO RIBEIRO

FUNDACAO APLUB DE CREDITO EDUACTIVO E SUELEN LENTZ RIBEIRO

INTERESSADOS

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, negar provimento ao recurso.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, as eminentes Senhoras Des.ª Liselena Schifino Robles Ribeiro e Des.ª Sandra Brisolara Medeiros.

Porto Alegre, 25 de março de 2015.

DES. SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES,

Relator.

RELATÓRIO

Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves (RELATOR)

Trata-se da irresignação de ELIANE C. O., com a r. decisão que autorizou a inventariante a negociar a dívida do condomínio do imóvel pertencente ao espólio, não reconhecimento do direito real de habitação da recorrente e determinou a desocupação do imóvel no prazo de 30 dias, nos autos da ação de inventário dos bens deixados por ENOR GILBERTO RIBEIRO.

Sustenta a recorrente que viveu em união estável com o de cujus desde 1990, sendo que desde então reside no imóvel em questão. Alega que não há outro bem da mesma natureza, assim como também não possui propriedade sobre qualquer outro, motivo pelo qual entende ter o direito real de habitação. Afirma que possui um filho do de cujus, o qual também reside no imóvel, não tendo condições de arcar com outra moradia. Afirma que as outras herdeiras já possuem residência, não havendo necessidade de desocupar o imóvel em questão. Preternde seja deferido o pedido de reconhecimento do seu direito real de habitação e consequentemente seja determinada a sua manutenção no imóvel. Pede o provimento do recurso.

O recurso foi recebido no efeito devolutivo.

Intimada a recorrida ofereceu contra-razões pugnando pelo desprovimento do recurso.

Com vista dos autos, a douta Procuradoria de Justiça lançou parecer opinando pelo conhecimento e desprovimento do recurso.

É o relatório.

VOTOS

Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves (RELATOR)

Estou desacolhendo o pleito recursal.

É que, ocorrendo o óbito de uma pessoa que deixa bens, deve ser observado o processo de inventário para se efetivar a entrega do patrimônio que, em decorrência do princípio da saisine, se transmitiu aos seus herdeiros e sucessores no momento da abertura da sucessão. Para tanto, deve ser observado o procedimento judicial ou administrativo (mediante escritura pública, nos casos admitidos pela lei).

Para o adequado processamento do inventário, cumpre examinar quais são os herdeiros e quais os bens deixados, havendo necessidade também de se prosseguir a administração dos bens. Para tanto, há necessidade de ser nomeado um auxiliar do juízo, que é o inventariante, o qual deve ser nomeado com observância da ordem preferencial indicada no art. 990 do CPC.

Assim, a pessoa nomeada para exercer esse múnus, deve firmar termo de inventariança (CPC, art. 993), incumbindo-lhe a administração e a representação, tanto ativa como passiva da sucessão (CPC, art. 991, I e II) até a homologação da partilha, bem como, segundo dispõe o art. 991 do CPC, “representar o espólio ativa e passivamente, em juízo ou fora dele” (inc. I), “administrar o espólio, velando-lhe os bens com a mesma diligência como se seus fossem” (inc. II), “exibir em cartório, a qualquer tempo, para exame das partes, os documentos relativos ao espólio” (inc. IV) e “prestar contas de sua gestão ao deixar o cargo, ou sempre que o juiz lhe determinar” (inc. VII), entre tantos outros deveres.

Como, pelo eventual descumprimento da função, o inventariante pode ser afastado do cargo, seja por decisão judicial ex officio ou, então, a requerimento de herdeiro (CPC, arts. 995, 996, 997, 998), e como o exercício da inventariança traz também pesados deveres, podendo o inventariante vir a ser responsabilizado na forma do direito comum e devendo indenizar os prejuízos a que tenha dado causa, tanto dolosa como culposamente, a lei exige-lhe idoneidade, responsabilidade e transparência.

Sendo assim e considerando que a inventariante representa o espólio, ativa e passivamente, em juízo e fora dele, tenho que não merece reparo a decisão de primeiro grau.

Destaco, pois, que o direito real de habitação é um instituto de caráter eminentemente protetivo das pessoas que perdem o seu cônjuge ou companheiro e ficam desamparadas.

Portanto, o instituto do direito real de habitação deve ser examinado na sua dimensão protetiva, pois visa assegurar o direito de moradia ao cônjuge supérstite (e também ao companheiro), assegurando-lhe o direito de continuar morando no imóvel deixado pelo falecido e onde o casal residia, desde que não exista outro bem da mesma natureza a inventariar ou, então, que o cônjuge ou companheiro sobrevivente não tenha outro imóvel próprio para residir. E enquanto perdurar a viuvez.

No caso sub judice, restou cabalmente comprovado que além do imóvel fazer parte da partilha do casamento anterior do de cujus, motivo pelo qual a alegação de que teria direito à parte do imóvel paga durante a união estável não merece prosperar, nem mesmo se justifica a alegação de direito real de habitação, pois, a ora recorrente está inadimplente com o condomínio e o IPTU do referido imóvel (fls. 542/558), o que gerou uma dívida em valor da quase totalidade do bem, causando evidente prejuízo ao espólio.

Portanto, havendo herdeiras necessárias, não pode o direito delas sobre o único imóvel inventariado ser obstado, pelo reconhecimento do direito real de habitação à companheira, quando se vê que (a) o imóvel foi adquirido na constância do casamento do falecido com a ex-esposa, mãe da inventariante, antes da união estável, e (b) quando a recorrente, que ficou ocupando o bem, deixou de pagar o condomínio e o IPTU, contraindo dívida em valor expressivo, comprometendo a herança na sua quase totalidade.

Assim, descabe manter a posse do bem pela ex-companheira, pois há necessidade de atender a dívida, com possível alienação do bem, para possibilitar o pagamento das despesas do processo e das dívidas do espólio, o que torna imperativa a desocupação, com a entrega das chaves à inventariante, pois cabe a esta a administração do patrimônio inventariado e providenciar na conclusão do processo de inventário.

Com tais considerações, estou acolhendo, também, o parecer do Ministério Público, de lavra da ilustre PROCURADORA DE JUSTIÇA JUANITA RODRIGUES TERMIGNONI, que transcrevo, in verbis:

No mérito, contudo, não prospera a insurgência.

Razão não socorre a Elaine quando pretende seja mantida, juntamente com o filho dela e do de cujus, Ryllbert, no imóvel que diz ter servido de residência a ela e Enor Gilberto, com quem manteve união estável, ao argumento, em suma, de que deve ser reconhecido o seu direito real de habitação.

Com efeito, em que pese a recorrente alegue que no processo n.º 001/1.13.0018258-0 houve o reconhecimento de que a autora conviveu em união estável com Sr. Enor Gilberto a partir de 9 de dezembro de 1990 (fl. 04) – tendo a sentença proferida naquele feito, aliás, julgado parcialmente procedente a demanda por ela aforada com tal intuito, consoante se vê na informação processual em anexo –, bem como já determinado, por esta Colenda Câmara Cível quando do julgamento do agravo de instrumento n.º 70052598802, o normal prosseguimento do Inventário com a reserva de bens à Elaine (fls. 415/418v), não trouxe a virago, quando imprescindível ao atendimento da tutela vindicada, elementos a justificar o reconhecimento do seu direito real de habitação, como a cópia da própria sentença proferida nos autos do processo concernente à união estável e, ainda, do recurso que, à fl. 04, afirma ter mantido a referida decisão singular, embora ainda não transitado em julgado.

Por outro lado, se fazem presentes nos autos elementos a comprovar a dívida condominial que poderá consumir o imóvel inventariado (fls. 542/558), em evidente prejuízo ao Espólio, razão porque deve ser mantida a decisão que determinou a saída amigável de Elaine e seu filho do bem, com entrega das chaves à inventariante, que restou autorizada a negociar o referido débito.

3. Do exposto, manifesta-se o Ministério Público pelo conhecimento e improvimento do agravo.

ISTO POSTO, nego provimento ao recurso.

Des.ª Liselena Schifino Robles Ribeiro - De acordo com o (a) Relator (a).

Des.ª Sandra Brisolara Medeiros - De acordo com o (a) Relator (a).

DES. JORGE LUÍS DALL'AGNOL - Presidente - Agravo de Instrumento nº 70063470322, Comarca de Porto Alegre:

“NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME.”

Julgador (a) de 1º Grau: MARIA INES LINCK

Disponível na Jurisprudência do IBDFAM, do Dia 04 de Maio de 2015

http://ibdfam.org.br/jurisprudencia/3204/Direito%20real%20de%20habita%C3%83%C2%A7%C3%83%C2%A3o.%20Invent%C3%83%C2%A1rio