1.187.759- APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.187.759-3 DA VARA DE ÚNICA DA COMARCA DE REALEZA APELANTE: E. L. X. S.
APELADO: APELADO: C. S.
RELATORA: DESª IVANISE MARIA TRATZ MARTINS
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO LITIGIOSO. DE FAMÍLIA. AÇÃO DE DIVÓRCIO LITIGIOSO. SENTENÇA QUE RECONHECEU A INEXISTÊNCIA DE BENS A SEREM PARTILHADOS. IMÓVEL VENDIDO NA CONSTÂNCIA DA UNIÃO. IMPOSSIBILIDADE DE PARTILHA. EXCLUSÃO DE AUTOMÓVES DA PARTILHA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA ALIENAÇÃO DOS BENS. BENS. IMPRESCINDIBILIDADE DE PARTILHA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
VISTOS, VISTOS relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1.187.759-3, da Vara única da Comarca de Realeza, em que é S..
Apelante E. L. X.S. e Apelado C. S.
I ¬ RELATÓRIO
Trata-se de Apelação Cível interposta em face da sentença prolatada às fls. 140-141 e cuja omissão no tocante á partilha de bens fora sanada às fls. 149 dos autos de origem, em Ação de Divórcio Litigioso, proposta por C. S. em face de E. L. X. S..
O magistrado de 1º grau julgou procedentes os pedidos formulados na inicial para o fim de: decretar o divórcio; atribuir guarda dos filhos do casal aos avós paternos, fixar obrigação alimentar dos genitores em favor dos filhos, bem como afastar a partilha dos bens arrolados pela requerida.
Inconformada, apela a Requerida às fls. 152-172, requerendo a reforma da sentença no tocante à partilha dos bens pleiteada em sede de contestação. Sustenta que as partes eram casadas sob o regime da comunhão universal de bens, motivo pelo qual devem ser partilhados todos os bens de propriedade Autor, independentemente da data em que foram adquiridos.
Em contrarrazões de fls. 176 -182, o Apelado argumenta que todos os bens adquiridos pelo casal foram alienados ainda na constância da união, motivo pelo qual pugna pela manutenção da sentença.
Ainda em primeiro grau, às fls. 184-189, o douto representante do Ministério Público afirmou não haver interesse que justificasse sua manifestação no tocante à partilha de bens, o que foi reiterado pela Procuradoria Geral de Justiça às fls. 198-200.
É o relatório.
II ¬ FUNDAMENTAÇÃO
Presentes os pressupostos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade recursal, impõe-se o conhecimento do presente recurso de Apelação Cível.
Insurge-se a Apelante contra a não realização da partilha dos bens móveis e imóvel das partes. Sustenta em suas razões que os automóveis arrolados em peça contestatória devem ser partilhados, ante a comprovação de que as partes eram casadas sob o regime da comunhão universal de bens. Além disso, aduz irregularidade na venda do imóvel rural, no ano de 2006. Requer, desta forma, a reforma da sentença que declarou a inexistência de bens a serem partilhados.
Razão assiste em parte à recorrente.
- Partilha do bem imóvel
O imóvel sobre o qual a Apelante pretende ver realizada a partilha foi objeto de transmissão na data de 11/12/2006, ou seja, ainda na constância do matrimônio. A recorrente alega que o casal já estava separado de fato quando da realização do negócio jurídico, o que lhe retiraria a legitimidade.
Ocorre, no entanto, que a separação fática, muito embora traga alguns efeitos quando da realização da partilha, conforme se verá, não é suficiente para desconstituir a alienação realizada por ambos os cônjuges. Deste modo, o fato de os compradores serem os genitores do Apelado, por si só, não enseja nulidade ou exprime má-fé, sobretudo por constar expressamente no referido documento que o ato foi praticado por ambos os cônjuges.
Portanto, em razão de ter sido realizado o referido negócio jurídico enquanto as partes ainda eram casadas sob o regime da comunhão universal de bens, não resta qualquer direito à Apelante sobre a venda deste.
Neste contexto, não há que se sustentar que a separação fática do casal alteraria o contexto da partilha de bens, posto que a transmissão de bens imóveis só seria possível com a devida vênia conjugal.
Vejamos o que dispõe a lei civil a esse respeito:
Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta: I - alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis;
Isto significa, por óbvio, que, uma vez lavrada escritura pública de compra e venda, que é o que ocorre nos presentes autos (fls. 45 verso), não há que se falar, nesta demanda de divórcio, em anulação do referido documento público e partilha do bem alienado no ano de 2006, devendo-se presumir que a alienação do imóvel fora realizada com a anuência de ambos.
Ademais, todas as testemunhas ouvidas em audiência de instrução e julgamento afirmam que a propriedade do casal fora vendida para que pudessem quitar as dívidas contraídas, que seriam assumidas, a partir de então, pelo novo proprietário.
Deste modo, em que pese não terem sido comprovadas inequivocamente as dívidas que supostamente teriam sido quitadas com a venda do imóvel, também não restou provado, sequer minimamente demonstrado, qualquer ilegalidade no ato de transmissão do bem imóvel em comento.
Desta forma, não merece provimento a Apelação neste ponto.
(automóveis) - Partilha dos bens móveis (automóveis)
Verifica-se no caso dos autos que a recorrente pleiteia a partilha dos automóveis: FORD/CORCEL, Placa AEX-6991; GM/OPALA COMODORO, Placa LYG-2675; VW/BRASILIA Placa AAL-6494; FIAT/147L, Placa ABQ-6819; GM/OPALA COMODORO, Placa ABZ-6668; YAMAHA/YBR 125K, Placa AKL-2554; HONDA/C100 BIZ ES, Placa MBT-5458 e GM/MONZA GLS, Placa BTN-5277. Para tanto, acostou à contestação Certidão de Histórico de Propriedade de Veículo (fls. 47-48).
Da análise dos referidos documentos é possível perceber que todos são de propriedade do Apelado. Contudo, diferente do que afirma a Apelante, mesmo considerando o regime de bens sob o qual as partes contraíram matrimônio, não é possível pressupor a comunhão de esforços para aquisição de todos os veículos. Isto porque, conforme se verifica do documento de fls. 13, encontram-se separados de fato desde o ano de 2004.
A Apelante alega que não concordava com a separação e que o referido documento fora elaborado sob pressão, sem refletir uma vontade consciente. Oportuno ressalvar, a este respeito, que eventual alegação de nulidade deve ser feita em demanda própria, não havendo sequer indício nos autos de ilegitimidade, ainda mais levando-se em conta que elaborado na presença de membro do Ministério Público.
Isto posto, no tocante ao mérito, tendo em vista que o veículos cuja propriedade titulariza FORD/CORCEL, Placa AEX-6991 fora adquirido no ano de 2007, HONDA/C100 BIZ ES, Placa MBT-5458 e GM/MONZA GLS, Placa BTN-5277 no ano de 2008 e GM/OPALA COMODORO, Placa LYG-2675 no ano de 2010, não há que se falar na presunção de esforço comum das partes para que fossem adquiridos.
Deste modo, embora o divórcio do casal ainda não tivesse ocorrido, inequívoca a inexistência de um núcleo familiar que indicasse comunhão de vida e de interesses comuns que pudessem levar ao entendimento de que o acervo patrimonial pertencesse a ambos.
Neste sentido já decidiu o Colendo Superior Tribunal de Justiça:
AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO DE FAMÍLIA. DIVÓRCIO DIRETO. SEPARAÇÃO DE FATO.
PARTILHA DE BENS. 1. O conjunto de bens adquiridos por um dos cônjuges, após a separação de fato, não se comunica ao outro, não podendo, por isso, ser partilhado.
Precedentes. 2. Agravo regimental não provido (STJ - AgRg no Ag: 682230 SP 2005/0085431-5, Relator: Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), Data de Julgamento: 16/06/2009, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/06/2009).
"DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. SUCESSÃO. COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS. INCLUSÃO DA ESPOSA DE HERDEIRO, NOS AUTOS DE INVENTÁRIO, NA DEFESA DE SUA MEAÇÃO. SUCESSÃO ABERTA QUANDO HAVIA SEPARAÇÃO DE FATO. IMPOSSIBILIDADE DE COMUNICAÇÃO DOS BENS ADQUIRIDOS APÓS A RUPTURA DA VIDA CONJUGAL.
RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. Em regra, o recurso especial originário de decisão interlocutória proferida em inventário não pode ficar retido nos autos, uma vez que o procedimento se encerra sem que haja, propriamente, decisão final de mérito, o que impossibilitaria a reiteração futura das razões recursais. (...) preservação 4. A preservação do condomínio patrimonial entre cônjuges após a separação de fato é incompatível com orientação do novo Código Civil (...) Assim, em regime de comunhão universal, a comunicação de bens e dívidas deve cessar com , respeitado a ruptura da vida comum, respeitado o direito de meação do conjugal. Patrimônio adquirido na constância da vida conjuga 6.
Recurso especial provido." (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 4ª Turma. REsp 555.771/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, julgado em Grifou-se.) 05/05/2009, DJe 18/05/2009. Grifou-se.
Consoante à Jurisprudência da Corte Superior estão os ensinamentos da doutrina, com destaques:
"(...) o termo final da comunicação dos bens conjugais é a separação de fato ou a judicial separação de corpos (...).Mostram pontuais passagens do direito substantivo que já de longa data o legislador procurou buscar no tempo e no fato em concreto as fronteiras justas reais de qualquer sociedade conjugal, a qual, antes de ser encerrada pela intervenção institucional do homem encarregado de aplicar a lei, atribui valor e efeito jurídico à antecipada volição dos cônjuges, porque eles sim, não outros, são os reais senhores da certeza e da exatidão temporal pela qual a sua sociedade matrimonial e os seus interesses pessoais se dissolveram de verdade e sem ficções. Carece de sentido jurídico e moral aplicar um regime de comunhão de bens a um casal separado de fato, ausente a affectio maritalis (...)."1
"Com a dissolução do vínculo ¬ ou melhor, quando do fim da vida em comum ¬ solve-se a comunhão de bens (...) Pacificado está em sede jurisprudencial que a separação de fato rompe o estado condominial quer dos bens adquiridos, quer das dívidas contraídas."2
Assim, não merece reparo a sentença objurgada neste ponto, uma vez que, após a separação de fato, os bens adquiridos por um dos cônjuges não se comunicam ao outro, não podendo, portanto, serem partilhados.
Verifica-se, entretanto, que, quanto aos veículos VW/BRASILIA Placa AAL-6494; FIAT/147L, Placa ABQ-6819; GM/OPALA COMODORO, Placa ABZ-6668; YAMAHA/YBR 125K, Placa AKL-2554; esses foram adquiridos, respectivamente, em 1998, 1999, 2003, 2004, ou seja, durante a constância da união, devendo, portanto, ser partilhados uma vez que compõe o patrimônio comum do casal.
Sustentou o Apelado que os referidos veículos foram vendidos ainda durante o casamento, o que faria presumir que o montante decorrente da alienação fora utilizado em favor de ambos os cônjuges.
Entretanto, diferente do que parece fazer crer o recorrido e, em sentido diverso à sentença prolatada, estão as provas dos autos.
Os documentos de folhas 47 e 48 demonstram a aquisição desses bens na constância do matrimônio. Compulsando os autos não há nada que comprove, por outro lado, que foram vendidos, muito menos que a alienação ocorreu durante o casamento.
Conforme se observa da certidão de casamento às fls. 42, a união matrimonial se deu sob o regime de comunhão universal de bens. As únicas exceções quanto à comunicabilidade dos bens são aquelas previstas pelo legislador no artigo 1.668, do Código Civil, em seus incisos I ¬ V, cuja ocorrência não se verifica no caso em apreço.
Consoante se viu, em nenhum momento o Autor/Apelado demonstrou, no curso do processo, tratarem-se de bens adquiridos e vendidos antes da separação fática do casal, merecendo, portanto, provimento o recurso neste tocante.
A Apelante, por sua vez, comprovou documentalmente que a aquisição dos veículos VW/BRASILIA Placa AAL-6494; FIAT/147L, Placa ABQ-6819; GM/OPALA COMODORO, Placa ABZ-6668; YAMAHA/YBR 125K, Placa AKL-2554 se deu durante a união matrimonial, o que faz presumir que se deu por esforço comum dos cônjuges, integrando o patrimônio comum do casal, devendo, deste modo, ser partilhado.
Assim, considerando que a autora cumpriu devidamente o ônus que lhe incumbia, demonstrando a existência dos bens móveis adquiridos na constância do casamento, com a documentação fornecida pelo Departamento de Trânsito do Paraná, o Apelado, por sua vez não se desincumbiu a contento do art. 3333, inciso II do CPC, cuja redação merece transcrição:
Art. 333. O ônus da prova incumbe: (...) II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
Verifica-se dos autos que o Apelado deixou de provar o alegado, inexistindo comprovação de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da Apelante. Há que se consignar, ainda, tratar-se de prova de fácil produção, considerando que poderia ter se dirigido ao mesmo órgão e demonstrado a venda dos automóveis na constância da sociedade conjugal, contudo, não o fez. Diante disto, suas alegações, por si só revelam-se insubsistentes a desconstituir o direito pleiteado pela Apelante.
Diante destas razões, é de se dar parcial provimento à Apelação, para os fins de determinar a partilha dos bens supracitados, mantendo-se, no restante, a sentença proferida pelo magistrado a quo.
- Prequestionamento
Conforme a fundamentação supra, tem-se por prequestionados os dispositivos legais apontados no recurso, que tenham expressa ou implicitamente pertinência com as questões examinadas no julgamento.
III ¬ VOTO
Ante o exposto, o recurso merece conhecimento e, no mérito, provimento parcial, apenas com a finalidade de determinar a partilha dos veículos VW/BRASILIA Placa AAL-6494; FIAT/147L, Placa ABQ- 6819; GM/OPALA COMODORO, Placa ABZ-6668; YAMAHA/YBR 125K, Placa AKL-2554.
IV ¬ DISPOSITIVO
ACORDAM os integrantes da Décima Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná em conhecer do recurso e, por unanimidade, dar-lhe parcial provimento, nos termos do voto e sua fundamentação.
O julgamento foi presidido por esta Relatora e dele participaram as Excelentíssimas Desembargadora Denise Kruger Pereira e Ângela Maria Machado Costa (em substituição ao Des. Luiz Cezar Nicolau).
Curitiba, 24 de setembro de 2014.
Desª IVANISE MARIA TRATZ MARTINS Relatora
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1 MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p.791.
2 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p.250.
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3 Art. 333. O ônus da prova incumbe: (...) II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
Civil e processual civil. Apelação cível. Direito de família. Ação de divórcio litigioso. Sentença que reconheceu a inexistência de bens a serem partilhados. Imóvel vendido na constância da união. Impossibilidade de partilha. Exclusão de automóves da partilha. Ausência de comprovação da alienação dos bens.imprescindibilidade de partilha. Recurso conhecido e parcialmente provido. (TJPR – AC nº 11877593, Relatora Ivanise Maria Tratz Martins, 12ª Câmara Cível, J.24/09/2014).
Disponível na Jurisprudência do IBDFAM do Dia 10 de Novembro de 2014