19 de January de 2016
EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E CIVIL- APELAÇÃO- AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER- VALOR DEPOSITADO EM CONTA BANCÁRIA EM FAVOR DE PESSOA FALECIDA- LEVANTAMENTO PELO INVENTARIAMENTE- INEXIGÊNCIA DE ALVARÁ JUDICIAL- ESCRITURA PÚBLICA DE INVENTÁRIO E PARTILHA DE BENS- NECESSIDADE E SUFICIÊNCIA- DOCUMENTO NÃO APRESENTADO- LIBERAÇÃO DO VALOR- IMPOSSIBILIDADE- RECURSO CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE. 

-Após a Lei 11.441/97, que alterou o CPC para permitir que o inventário e respectiva partilha sejam feitos na via extrajudicial, em Cartório de Notas, não é necessária a exigência de alvará judicial para o levantamento de valor depositado em instituição financeira em favor do de cujus, embora seja exigida a escritura pública de inventário e partilha do saldo para tanto.

-No caso, ausente a prova da apresentação da escritura pública de inventário e partilha, não era mesmo de ser deferido o pedido do inventariante, de levantamento do valor.

-Recurso conhecido e provido em parte.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0145.13.036938-5/001 - COMARCA DE JUIZ DE FORA - APELANTE (S): ESPOLIO DE H. L. R.  ESPÓLIO DE, REPDO P/ INVTE H. L. R.  JÚNIOR - APELADO (A)(S): BANCO DO BRASIL S/A

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 17ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em PROVER EM PARTE A APELAÇÃO.

DESA. MÁRCIA DE PAOLI BALBINO

RELATORA.

DESA. MÁRCIA DE PAOLI BALBINO

V O T O

Espólio de H. L. R. , por meio de seu inventariante, ajuizou ação de obrigação de fazer contra Banco do Brasil S/A. Alegou que o inventariante, regulamente nomeado na forma da Lei 11.441/2007 - que alterou o CPC -, tentou receber a importância depositada junto à ré em nome do falecido, de R$19.236,70, e que foi exigido um alvará judicial para tanto. Relatou que a atitude da ré viola a Lei11.441/2007. Informou que o valor depositado servirá para custear as despesas do inventário e pagamento de dívidas do falecido, anteriores ao óbito, inclusive de IPTU. Pediu a concessão de liminar para que a ré seja compelida a entregar, de imediato, o valor depositado em nome do falecido Hiram. Ao final, requereu a confirmação da liminar. Juntou documentos.

A ré contestou (f. 16/19), arguindo a preliminar de falta de interesse de agir, ao argumento de que não prestou serviço com defeito nem vício, apenas fez a exigência legalmente prevista. No mérito, pugnou pela improcedência do pedido inicial, sob o argumento de que o levantamento do dinheiro depositado em conta bancária, em favor do falecido, somente pode ser feito por meio de alvará judicial pedido perante o Juiz de Direito, independentemente de o inventário ter sido feito na via extrajudicial ou na via judicial.

O autor apresentou réplica, impugnando os termos de defesa da ré (f. 23/25).

Não foram produzidas provas outras, além das documentais apresentadas pelas partes no curso da lide.

Na sentença (f. 26/30), o MM. Juiz rejeitou a preliminar de falta de interesse de agir, arguida em contestação, e, após reconhecer que o alvará judicial ainda é devido em casos que tais, julgou improcedente o pedido inicial.

Constou do dispositivo da sentença (f. 30):

"Isto posto, a presente é, pois, para julgar improcedentes os pedidos; fica extinta a fase processual nos termos do art. 269, I do CPC.

Condeno o autor ao pagamento das custas processuais e em honorários de advogado da ré, os quais fixo em R$1.200,00, nos termos do art. 20 § 4º do CPC, valor este que deverá ser corrigido monetariamente a partir da publicação desta, segundo a tabela do TJMG, com a incidência de juros legais, após o trânsito em julgado.

[...]"

O autor apelou (f. 31/39), pretendendo a reforma da sentença. Para tanto, insistiu na tese de que a atual legislação não exige a expedição de alvará judicial para levantamento de valores depositados em nome do de cujus. Alternativamente, pediu a redução dos honorários advocatícios sucumbenciais.

A ré contrarrazoou (f. 42/45), pugnando pelo não provimento do apelo do autor, sob o argumento da legalidade de sua exigência.

É o relatório.

JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE:

Conheço do recurso porque próprio, tempestivo e por ter contado com preparo regular (f. 40).

PRELIMINAR:

Não foram argüidas preliminares no presente recurso.

MÉRITO:

O Espólio autor apelou da sentença pela qual foi julgado improcedente seu pedido de condenação da ré a liberar o valor depositado em nome do falecido H. L. R. , sem exigência de alvará judicial.

O argumento do apelante é o de que o inventário foi feito extrajudicialmente, na forma Lei 11.441/2007, que alterou o CPC, razão pela qual entende ser desnecessário o alvará judicial.

O Espólio autor/apelante ajuizou ação de obrigação de fazer contra a instituição financeira ré/apelada, pretendendo a liberação de valor depositado em favor do de cujus, sem a exigência de alvará judicial.

Pois bem. No caso, tenho que realmente a exigência de alvará judicial para levantamento de valor depositado em nome de pessoa falecida não é exigido, tal como afirma o Espólio apelante.

Contudo, o pedido inicial era mesmo de ser julgado improcedente, por motivo outro, que passo a expor.

O documento de f. 12 comprova a existência de valor depositado em nome de H. L. R.  junto a instituição financeira ré/apelada.

A certidão de f. 10 confirma o óbito de H. L. R. .

A escritura pública declaratória de f. 11 demonstra que os herdeiros de H. L. R.  nomearam inventariante nos termos previstos na Lei 11.441/2007, que alterou o CPC, elegendo o RCPN e Serviço Notarial de Torreões, no município e comarca de Juiz de Fora/MG, para lavrar a escritura pública de inventário e partilha de bens deixados pelo falecido Hiram.

Os artigos 982, 983 e 1.031 do CPC foram alterados pela Lei 11.441/2007 e pela Lei 11.925/2008, passando a dispor o seguinte:

"Art. 982. Havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial; se todos forem capazes e concordes, poderá fazer-se o inventário e a partilha por escritura pública, a qual constituirá título hábil para o registro imobiliário. § 1º O tabelião somente lavrará a escritura pública se todas as partes interessadas estiverem assistidas por advogado comum ou advogados de cada uma delas ou por defensor público, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial.

2º A escritura e demais atos notariais serão gratuitos àqueles que se declararem pobres sob as penas da lei."

"Art. 983. O processo de inventário e partilha deve ser aberto dentro de 60 (sessenta) dias a contar da abertura da sucessão, ultimando-se nos 12 (doze) meses subseqüentes, podendo o juiz prorrogar tais prazos, de ofício ou a requerimento de parte."

"Art. 1.031. A partilha amigável, celebrada entre partes capazes, nos termos do art.2.015 da Lei 10.406, de 10.01.2002 - Código Civil, será homologada de plano pelo juiz, mediante a prova da quitação dos tributos relativos aos bens do espólio e às suas rendas, com observância dos arts. 1.032 a 1.035 desta Lei." § 1o O disposto neste artigo aplica-se, também, ao pedido de adjudicação, quando houver herdeiro único. § 2o Transitada em julgado a sentença de homologação de partilha ou adjudicação, o respectivo formal, bem como os alvarás referentes aos bens por ele abrangidos, só serão expedidos e entregues às partes após a comprovação, verificada pela Fazenda Pública, do pagamento de todos os tributos."

A partir da alteração do CPC, portanto, os herdeiros do falecido passaram a ter a faculdade de realizar o inventário na via extrajudicial.

Sobre o tema lecionam Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero, na obra Código de Processo Civil Comentado Artigo por Artigo, São Paulo;RT, 2008, p. 876:

"Atendidos os requisitos legais (arts. 982, CPC e 2.15 CC), pode-se realizar o inventário extrajudicial mediante partilha amigável. Todas as partes devem ser capazes e concordes. O inventário extrajudicial. O inventário extrajudicial realiza-se por escritura pública, a qual consistirá em título hábil para o registro civil, para o registro imobiliário, para a transferência de bens e direitos, bem como para a promoção de todos os atos necessários à materialização e notícia das transferências de bens e levantamento de valores (art. 3º da Resolução 35 de 2007 do CN)."(grifei)

Através da Resolução 35, de 24.04.2007, o CNJ disciplinou a aplicação da Lei11.441/07 pelos serviços notariais e de registro.

"A PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, no uso de suas atribuições constitucionais e regimentais, e tendo em vista o disposto no art. 19, I, do Regimento Interno deste Conselho, e  CONSIDERANDO que a aplicação da Lei nº 11.441/2007 tem gerado muitas divergências;  CONSIDERANDO que a finalidade da referida lei foi tornar mais ágeis e menos onerosos os atos a que se refere e, ao mesmo tempo, descongestionar o Poder Judiciário; CONSIDERANDO a necessidade de adoção de medidas uniformes quanto à aplicação da Lei nº 11.441/2007 em todo o território nacional, com vistas a prevenir e evitar conflitos; CONSIDERANDO as sugestões apresentadas pelos Corregedores-Gerais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal em reunião promovida pela Corregedoria Nacional de Justiça; CONSIDERANDO que, sobre o tema, foram ouvidos o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e a Associação dos Notários e Registradores do Brasil;

RESOLVE:

Seção I - DISPOSIÇÕES DE CARÁTER GERAL

Art. 1º Para a lavratura dos atos notariais de que trata a Lei 11.441/07, é livre a escolha do tabelião de notas, não se aplicando as regras de competência do Código de Processo Civil.

Art. 2º É facultada aos interessados a opção pela via judicial ou extrajudicial; podendo ser solicitada, a qualquer momento, a suspensão, pelo prazo de 30 dias, ou a desistência da via judicial, para promoção da via extrajudicial.

Art. 3º As escrituras públicas de inventário e partilha, separação e divórcio consensuais não dependem de homologação judicial e são títulos hábeis para o registro civil e o registro imobiliário, para a transferência de bens e direitos, bem como para promoção de todos os atos necessários à materialização das transferências de bens e levantamento de valores (DETRAN, Junta Comercial, Registro Civil de Pessoas Jurídicas, instituições financeiras, companhias telefônicas, etc.)

[...]"

"Seção II - DISPOSIÇÕES REFERENTES AO INVENTÁRIO E À PARTILHA

Art 11. É obrigatória a nomeação de interessado, na escritura pública de inventário e partilha, para representar o espólio, com poderes de inventariante, no cumprimento de obrigações ativas ou passivas pendentes, sem necessidade de seguir a ordem prevista no art. 990 do CPC.

Art. 12. Admitem-se inventário e partilha extrajudiciais com viúvo (a) ou herdeiro (s) capazes, inclusive por emancipação, representado (s) por procuração formalizada por instrumento público com poderes especiais.

Art. 13. A escritura pública pode ser retificada desde que haja o consentimento de todos os interessados. Os erros materiais poderão ser corrigidos, de ofício ou mediante requerimento de qualquer das partes, ou de seu procurador, por averbação à margem do ato notarial ou, não havendo espaço, por escrituração própria lançada no livro das escrituras públicas e anotação remissiva.

Art. 14. Para as verbas previstas na Lei 6.858/60, é também admissível a escritura pública de inventário e partilha.

Art. 15. O recolhimento dos tributos incidentes deve anteceder a lavratura da escritura.

Art. 16. É possível a promoção de inventário extrajudicial por cessionário de direitos hereditários, mesmo na hipótese de cessão de parte do acervo, desde que todos os herdeiros estejam presentes e concordes.

Art. 17. Os cônjuges dos herdeiros deverão comparecer ao ato de lavratura da escritura pública de inventário e partilha quando houver renúncia ou algum tipo de partilha que importe em transmissão, exceto se o casamento se der sob o regime da separação absoluta.

Art. 18. O (A) companheiro (a) que tenha direito à sucessão é parte, observada a necessidade de ação judicial se o autor da herança não deixar outro sucessor ou não houver consenso de todos os herdeiros, inclusive quanto ao reconhecimento da união estável.

Art. 19. A meação de companheiro (a) pode ser reconhecida na escritura pública, desde que todos os herdeiros e interessados na herança, absolutamente capazes, estejam de acordo.

Art. 20. As partes e respectivos cônjuges devem estar, na escritura, nomeados e qualificados (nacionalidade; profissão; idade; estado civil; regime de bens; data do casamento; pacto antenupcial e seu registro imobiliário, se houver; número do documento de identidade; número de inscrição no CPF/MF; domicílio e residência).

Art. 21. A escritura pública de inventário e partilha conterá a qualificação completa do autor da herança; o regime de bens do casamento; pacto antenupcial e seu registro imobiliário, se houver; dia e lugar em que faleceu o autor da herança; data da expedição da certidão de óbito; livro, folha, número do termo e unidade de serviço em que consta o registro do óbito; e a menção ou declaração dos herdeiros de que o autor da herança não deixou testamento e outros herdeiros, sob as penas da lei.

Art. 22. Na lavratura da escritura deverão ser apresentados os seguintes documentos: a) certidão de óbito do autor da herança; b) documento de identidade oficial e CPF das partes e do autor da herança; c) certidão comprobatória do vínculo de parentesco dos herdeiros; d) certidão de casamento do cônjuge sobrevivente e dos herdeiros casados e pacto antenupcial, se houver; e) certidão de propriedade de bens imóveis e direitos a eles relativos; f) documentos necessários à comprovação da titularidade dos bens móveis e direitos, se houver; g) certidão negativa de tributos; e h) Certificado de Cadastro de Imóvel Rural - CCIR, se houver imóvel rural a ser partilhado.

Art. 23. Os documentos apresentados no ato da lavratura da escritura devem ser originais ou em cópias autenticadas, salvo os de identidade das partes, que sempre serão originais.

Art. 24. A escritura pública deverá fazer menção aos documentos apresentados.

Art. 25. É admissível a sobrepartilha por escritura pública, ainda que referente a inventário e partilha judiciais já findos, mesmo que o herdeiro, hoje maior e capaz, fosse menor ou incapaz ao tempo do óbito ou do processo judicial.

Art. 26. Havendo um só herdeiro, maior e capaz, com direito à totalidade da herança, não haverá partilha, lavrando-se a escritura de inventário e adjudicação dos bens.

Art. 27. A existência de credores do espólio não impedirá a realização do inventário e partilha, ou adjudicação, por escritura pública.

Art. 28. É admissível inventário negativo por escritura pública.

Art. 29. É vedada a lavratura de escritura pública de inventário e partilha referente a bens localizados no exterior.

Art. 30. Aplica-se a Lei n.º 11.441/07 aos casos de óbitos ocorridos antes de sua vigência.

Art. 31. A escritura pública de inventário e partilha pode ser lavrada a qualquer tempo, cabendo ao tabelião fiscalizar o recolhimento de eventual multa, conforme previsão em legislação tributária estadual e distrital específicas.

Art. 32. O tabelião poderá se negar a lavrar a escritura de inventário ou partilha se houver fundados indícios de fraude ou em caso de dúvidas sobre a declaração de vontade de algum dos herdeiros, fundamentando a recusa por escrito."(grifei)

Pelo que consta das normas supra transcritas, o inventário extrajudicial por escritura pública tem como intuito desburocratizar e desafogar o Judiciário, tornando assim menos oneroso e mais rápido o procedimento, sendo título hábil para o registro imobiliário e levantamento de valores.

No caso, não há prova de que o Espólio apelante tenha apresentado à apelada a escritura pública de inventário e partilha, no momento em que pleiteou o levantamento dos valores depositados em nome do falecido Hiram, exibindo somente a declaração de nomeação de inventariante e de eleição da via extrajudicial para a lavratura da escritura de inventário e partilha.

Assim, embora realmente não seja necessário o alvará judicial para tanto, a escritura pública de inventário e partilha era documento essencial para liberação dos valores.

Basta, portanto, que o inventariante apresente traslado da escritura pública de inventário e partilha para que a instituição financeira ré libere o saldo depositado em nome do de cujus, desde que na escritura o referido saldo também tenha sido objeto da partilha e que tenham sido recolhidos os tributos, tal como previsto no art. 1.031 do CCB e art. 15 da Resolução 35/2007 do CNJ.

No caso, contudo, não consta que foi lavrada a escritura pública de inventário e partilha ou de adjudicação do saldo depositado junto à apelada, para o que se exige prévio recolhimento de ITCD junto à Secretaria da Fazenda Pública Estadual.

Logo, ausente a prova da exibição da escritura pública de inventário e partilha, o levantamento do valor depositado não era mesmo de ser deferido pela apelada.

Ipso facto, tenho que as razões recursais merecem ser acolhidas em parte.

DISPOSITIVO:

Isso posto, dou parcial provimento à apelação, apenas para reconhecer a desnecessidade do alvará judicial, mantendo, contudo, incólume o dispositivo da sentença, posto que não exibida a escritura pública de inventário e partilha quando do pedido de levantamento do valor depositado em nome do de cujus.

Diante da sucumbência mínima da ré, custas recursais, pelo apelante.

DES. LEITE PRAÇA (REVISOR) - De acordo com o (a) Relator (a).

DES. EVANDRO LOPES DA COSTA TEIXEIRA - De acordo com o (a) Relator (a).

SÚMULA:"APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA"

Disponível no site do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM