Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves
Tema(s): Interdição parcial Proteção
Tribunal TJRS
Data: 25/03/2015
(...) “A interdição é um instituto com caráter nitidamente protetivo da pessoa, não se podendo ignorar que constitui também uma medida extremamente drástica, e, por essa razão, é imperiosa a adoção de todas as cautelas para agasalhar a decisão de privar alguém da capacidade civil, ou deixar de dar tal amparo quando é incapaz.” (...)
PODER JUDICIÁRIO
---------- RS ----------
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
SFVC
Nº 70058627845 (Nº CNJ: 0055347-23.2014.8.21.7000)
2014/Cível
INTERDIÇÃO. PESSOA COM QUADRO DE RETARDO MENTAL, MAS LÚCIDA. NECESSIDADE DE PROTEÇÃO. INTERDIÇÃO PARCIAL. 1. A interdição é um instituto com caráter nitidamente protetivo da pessoa, não se podendo ignorar que constitui também uma medida extremamente drástica, e, por essa razão, é imperiosa a adoção de todas as cautelas para agasalhar a decisão de privar alguém da capacidade civil, ou deixar de dar tal amparo quando é incapaz. 2. Como a interditanda apresenta quadro com inequívocas limitações, e não possui condições de exercer algumas atividades da vida civil, verificando-se que não tem capacidade plena para defender adequadamente os seus interesses, é cabível a interdição parcial. Recurso provido.
Apelação Cível Sétima Câmara Cível
Nº 70058627845
(Nº CNJ: 0055347-23.2014.8.21.7000)
Comarca de Sapucaia do Sul
C.S.E.
..
APELANTE
J.G.E.S.
..
APELADO
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, dar provimento ao recurso.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), as eminentes Senhoras Des.ª Liselena Schifino Robles Ribeiro e Des.ª Sandra Brisolara Medeiros.
Porto Alegre, 16 de abril de 2014.
DES. SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES,
Presidente e Relator.
RELATÓRIO
Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves (PRESIDENTE E RELATOR)
Trata-se da irresignação de CLAUDIA S.E. com a sentença que julgou improcedente a ação de interdição que move contra JÉSSICA E.S.
Sustenta que a recorrente que a perícia realizada chegou à conclusão que a recorrida está parcialmente incapaz para os atos da vida civil, necessitando de assistência de curador. Pretende seja deferida a interdição parcial e a curatela parcial. Pede o provimento do recurso.
Não existem contra-razões.
Com vista aos autos a douta Procuradoria de Justiça lançou parecer opinando pelo conhecimento e provimento do recurso.
Foi observado o disposto no art. 551, § 2º do CPC.
É o relatório.
VOTOS
Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves (PRESIDENTE E RELATOR)
Estou acolhendo o pleito recursal.
Com efeito, não se pode ignorar que, em regra, “todo homem é capaz de direitos e obrigações na ordem civil” (art. 2º do Código Civil) e, enquanto a interdição “é o ato pelo qual o juiz retira, ao alienado (...) a administração e a livre disposição de seus bens” (CARVALHO SANTOS, “Código Civil Brasileiro Interpretado”, vol. VI, pág. 381), razão pela qual se trata de uma ação que produz gravíssimos resultados, cabível somente quando comprovada a doença mental incapacitante.
Assim, a interdição é instituto destinado à proteção de pessoas incapacitadas, retirando delas a faculdade de administrar seus bens e reger sua própria vida. E, no caso em exame, cuida-se de um processo de interdição, no qual há necessidade de proteger a pessoa do incapaz, mas entendo que a interdição deve ser parcial.
O laudo médico atesta deficiência mental, sendo inequívoco que a interdita possui deficiência relativamente incapacitante, motivo pelo qual deve ser interditada parcialmente. Ou seja, está claro que a interditanda efetivamente apresenta limitação cognitiva e é dependente de terceiros, ainda que seja lúcida e orientada.
Diante disso, penso que se justifica o estabelecimento de uma interdição parcial, valendo lembrar que o Código Civil vigente, inovou, no seu art. 1.780, na parte relativa à tutela dos interesses das pessoas que, embora capazes para os atos da vida civil, não reúnem plenas condições físicas ou materiais para cuidar de seus próprios interesses e negócios. Ou seja," a requerimento do enfermo ou portador de deficiência física, ou, na impossibilidade de fazê-lo, de qualquer das pessoas a que se refere o art. 1768, dar-se-lhe-á curador para cuidar de todos ou alguns de seus negócios ou bens ".
Como se infere, cuida-se uma modalidade especial de curatela, que abrange apenas alguns negócios ou bens do curatelado. Com isso, não estou declarando a incapacidade civil absoluta da interditada, que mantém incólumes os seus demais direitos políticos e civis.
Segundo ALEXANDRE GUEDES ALCOFORADO ASSUNÇÃO, essa curatela tem uma feição de administração especial, com" mera transferência de poderes ", assemelhando-se a um mandato (in" Novo Código Civil Comentado ", Coord. Ricardo Fiúza, 1ª ed., 7ª tiragem, Saraiva, 2003, p. 1592).
Assim sendo, dou parcial provimento ao pleito recursal, no que tange a interdição de JÉSSICA para o fim de decretar a sua interdição parcial e limitar os atos de disposição patrimonial, e nomear sua genitora como curadora.
Com tais considerações, estou acolhendo, também como razão de decidir, os doutos argumentos postos no lúcido parecer do Ministério Público, de lavra do eminente PROCURADOR DE JUSTIÇA LUIZ CLAUDIO VARELA COELHO, que peço vênia para transcrever, in verbis:
No mérito, procede a irresignação vertida no apelo.
O Juízo de primeiro grau julgou improcedente o pedido formulado por CLÁUDIA SIMONE nos autos da Ação de Interdição promovida em desfavor de JÉSSICA GREICE, aduzindo a ausência de prova acerca da incapacidade alegada na inicial.
Com a devida vênia da preclara Magistrada a quo, a decisão merece reparo, a fim de que seja decretada a interdição parcial da apelada, por ser portadora de Retardo Mental leve e apresentar incapacidade relativa para a prática de atos da vida civil, nomeando-se-lhe a genitora como curadora.
Diante do contexto probatório constante dos autos, conclui-se, estreme de dúvidas, que a interditanda JÉSSICA GREICE, atualmente, com 22 (vinte e dois) anos de idade, é portadora deficiência mental, estudou até a 5ª série, não trabalha, possui dois filhos para sustentar e mantém-se com a pensão deixada pelo genitor.
Segundo refere o expert no Laudo Psiquiátrico anexado aos autos, realizado em 16/01/2013, a apelada é pessoa parcialmente incapaz para os atos da vida civil, por ser portadora de Retardo Mental leve, em face do qual apresenta crise de agressividade, alterações de humor e comportamento pueril, não tendo condições de desempenhar alguma atividade de forma voluntária (fls. 65/67):
“A mãe da periciada solicitou a interdição de Jéssica quando esta era menor de idade e passou a ter problemas de comportamento. Fugiu de casa e engravidou quando tinha 17 anos tendo uma filha de dois anos e meio. A mãe informa que solicitou auxílio do Conselho Tutelar devido a crises de agressividade da filha e a baixa adesão aos tratamentos psiquiátricos propostos. A periciada foi para casa de passagem e de lá fugiu com outro menor e retornou para a casa da mãe, mas já estava grávida. A periciada apresenta crises de agressividade e estaria indicado o uso de medicação estabilizadora do humor (Ácido Valpróico) e antipsicótica (Risperidona). Não desempenha voluntariamente qualquer atividade, mesmo as mais simples por não conseguir se envolver adequadamente e de forma compromissada. Tem um comportamento pueril e tem dificuldade de aceitar limites e tolerar frustrações. Envolve-se muito em brigas principalmente por não aderir ao tratamento psicofarmacológico proposto.
Atualmente, a periciada passa os dias sem qualquer interesse ou atividade, não necessitando do auxílio de terceiros para que realize os cuidados com higiene e vestuário. Tem alguma autonomia e sai à rua sozinha, sabe fazer compras e lidar com dinheiro embora tenha algumas dificuldades para realizar transações bancárias. (...)
A periciada não demonstra interesse ou envolvimento para exercer atividades laborativas que possam prover seu auto-sustento nem se mostra disposta a aderir ao tratamento psiquiátrico proposto que pode ajudá-la no controle de seu comportamento disruptivo.
Ao exame, apresenta-se orientada no tempo e no espaço, sem prejuízos evidentes na atenção e memória, pensamento de conteúdo empobrecido e concreto, linguagem verbal sem particularidades, inteligência clinicamente abaixo da média, afeto superficial, conduta levemente pueril para a idade.
DISCUSSÃO
Os elementos disponíveis indicam um Retardo Mental leve (CID-10 F70), doença sem cura conhecida e que pode implicar em algum déficit no juízo de realidade. (...)
Mesmo com um funcionamento deficitário aparente, que pode comprometer ainda que, de forma oscilatória, seu juízo crítico frente aos fatos da realidade, o uso de medicação poderia mitigar estes possíveis prejuízos. Assim, mesmo que sua doença não tenha cura conhecida, o controle dos sintomas poderia ser obtido mediante esforço voluntário, com apoio terapêutico. Dessa forma pode-se considerar que haveria fundamento técnico apenas para um déficit parcial e específico do juízo da realidade. Os riscos inerentes à sua impulsividade e baixa tolerância a frustração (por sua não adesividade aos tratamentos médicos propostos) podem colocá-la em situação onde a periciada se exponha riscos à sua própria saúde (gravidez indesejada, doenças sexualmente transmissíveis entre as principais) bem como risco a seus filhos menores de idade.
Em relação a questões que envolve a decisão sobre a laqueadura das trompas (em função da baixa compreensão e exposição aos riscos) deve ser tomada de acordo com critérios médicos e por decisão do juízo superior em função da periciada ter um déficit cognitivo leve.
Assim, a assistência de um curador seria apenas recomendável naquelas questões que digam respeito à sua saúde, mantença e patrimônio, função que já vem sendo exercida pela mãe.
CONCLUSÃO
A periciada apresenta-se parcialmente incapaz para os atos da vida civil, em função de não aderir aos tratamentos médicos recomendados, e suas dificuldades relacionam-se especialmente nas questões referentes à sua própria saúde e no cuidado dos filhos.
A testagem psicológica corrobora prejuízos em relação a seus recursos cognitivos.”
Ainda que não seja portadora de doença grave e incapacitante, há de se considerar que o precitado laudo é conclusivo ao sugerir a interdição parcial da apelada em razão da patologia apresentada, por não possuir o necessário discernimento para os atos da vida civil.
A situação enquadra-se no artigo 1.767, incisão I do Código Civil, que dispõe estarem sujeitos à curatela “aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para os atos da vida civil.”
A possibilidade do uso de medicamento capaz de amenizar os efeitos da patologia apresentada não constitui óbice à decretação da curatela, em especial, no caso dos autos, em que há resistência da apelada à realização do tratamento médico necessário.
Não há dúvida que a família deve contribuir para que a apelada realize o tratamento adequado para a melhora no quadro apresentado, porém, não se pode olvidar que a doença em questão não possui cura conhecida, conforme referiu o perito psiquiatra.
A incapacidade parcial, portanto, deve acompanhar a trajetória de vida da apelada, que poderá obter alguma melhora caso se submeta a tratamento médico.
Por conseguinte, estando sobejamente comprovado nos autos que a apelada é pessoa parcialmente incapaz de gerir os atos da vida civil, por ser portadora de enfermidade mental – Retardo Mental leve -, impõe-se a decretação de sua interdição, com a nomeação da genitora como curadora e a inscrição da sentença no assento de nascimento da interditanda, para que surta os efeitos legais.
Em face do exposto, o Ministério Público de segundo grau opina pelo conhecimento e provimento do recurso, para que seja a ação julgada parcialmente procedente, com a decretação da interdição parcial da apelada e a consequente nomeação de sua genitora como curadora.
ISTO POSTO, dou provimento ao recurso.
Des.ª Liselena Schifino Robles Ribeiro (REVISORA) - De acordo com o (a) Relator (a).
Des.ª Sandra Brisolara Medeiros - De acordo com o (a) Relator (a).
DES. SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES - Presidente - Apelação Cível nº 70058627845, Comarca de Sapucaia do Sul: "DERAM PROVIMENTO. UNÂNIME."
Julgador (a) de 1º Grau: RAQUEL MARLY CABELEIRA ALVAREZ SCHUCH
Disponível na Jurisprudência do IBDFAM, do Dia 25 de Março de 2015