08 de January de 2015
Inventário. Direito real de habitação

Relator: Alzir Felippe Schmitz

Tema(s): Inventário Direito real de habitação

Tribunal TJRS

Data: 07/01/2015

AFS

Nº 70061027090 (Nº CNJ: 0295272-42.2014.8.21.7000)

2014/Cível

APELAÇÃO CÍVEL. INVENTÁRIO. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO AO CÔNJUGE SOBREVIVENTE. (1) Apesar de haver alguma confusão nas razões da petição que veicularam o pedido de direito real de habitação, ora referindo-se a usufruto, ora a habitação, está claro que a intenção do cônjuge sobrevivente é a de permanecer morando no imóvel onde já reside por mais de 22 anos. Logo, não era mesmo o caso de a sentença estabelecer usufruto, mas direito real de habitação, conforme prevê o CC art. 1.831. (2) A expressão “daquela natureza” contida no CCC art.1.831 não se refere apenas ao termo “imóvel”, mas ao “imóvel destinado à residência da família”, o que, no caso dos autos, há apenas um, na medida em que o outro imóvel não se destinava à residência familiar, no sentido que a lei aqui exige. A intenção do legislador ao garantir tal direito, é de proteger o cônjuge sobrevivente em sua moradia. Não se trata de privilégio patrimonial em detrimento dos demais herdeiros, mas de proteção a um direito fundamental do cônjuge remanescente. Descabida, assim, a alegação de que a existência de outro imóvel inviabiliza o direito real de habitação pretendido pelo cônjuge sobrevivente. Usufruto vitalício substituído pelo direito real de habitação.

DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO.

Apelação Cível

Oitava Câmara Cível

Nº 70061027090 (Nº CNJ: 0295272-42.2014.8.21.7000)

Comarca de Canoas

LECIOMARA BRINKER HAHNN

APELANTE

RUDOLFO BIERHALS SOBRINHO E OUTROS

APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Magistrados integrantes da Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar parcial provimento ao apelo.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores Des. Ricardo Moreira Lins Pastl e Dr. José Pedro de Oliveira Eckert.

Porto Alegre, 11 de dezembro de 2014.

DES. ALZIR FELIPPE SCHMITZ,

Relator.

RELATÓRIO

Des. Alzir Felippe Schmitz (RELATOR)

Inventário de LECI proposto por LECIOMARA.

A sentença homologou o plano de partilha ressalvando “usufruto vitalício do herdeiro Rudolfo Bierhals no que tange ao imóvel matrícula nº 33467 do Registro de Imóveis” de Canoas.

Apelou a inventariante. Pediu o provimento do apelo “afastando-se o usufruto vitalício – direito real de habitação – para Rudolfo Bierhals”.

Vieram contrarrazões.

O Ministério Público neste grau de jurisdição manifestou-se pela desconstituição da sentença.

Registro que foi observado o disposto nos artigos 549, 551 e 552 do Código de Processo Civil, em razão da adoção do sistema informatizado.

É o relatório.

VOTOS

Des. Alzir Felippe Schmitz (RELATOR)

Estamos no inventário de LECI. São herdeiras as filhas LECIOMARA (ora apelante - inventariante), FABIANA e KELLEN. RUDOLFO é o viúvo meeiro, casado pelo regime da comunhão universal.

Apresentado o plano de partilha pela inventariante com vista aos demais interessados, o viúvo RUDOLFO manifestou-se concordando com o plano, mas pedindo que lhe fosse garantido o “direito real de moradia de pessoa idosa” (fl. 117). Na fundamentação dessa petição RUDOLFO alegou que o imóvel “deverá ficar em usufruto vitalício para o Sr. Rudolfo, que detém seu direito real de moradia, pois pessoa idosa...”.

Intimada, a inventariante LECIOMARA (fl.129/130), fazendo referência as alegações de fls. 81/83, aduziu não concordar com o direito de habitação, pois o imóvel de Canoas não é o único a ser inventariado, havendo também o de Camaquã, de modo a não preencher os requisitos do art. 1.831 do CC.

Na sequência (fl. 131), a magistrada homologou o plano de partilha e ressalvou o direito de usufruto vitalício ao viúvo.

No presente apelo, a inventariante alegou que o pedido realizado pelo viúvo RUDOLFO foi para que lhe fosse assegurado o direito real de habitação, instituto diverso ao usufruto. Aduziu que o artigo 1.831 do Código Civil garante o direito de moradia ao cônjuge sobrevivente desde que seja o único daquela natureza a inventariar, o que não é o caso dos autos, pois há outro imóvel em Camaquã de valor aproximado ao de Canoas, sobre o qual recaiu o usufruto. Sustentou não fazer sentido a aplicação de regra protetiva ao cônjuge, uma vez que sua quota parte – aproximadamente R$ 150.000, 00 – certamente lhe garantirá a moradia. Pediu provimento ao recurso para que seja afastado o usufruto vitalício destinado a RUDOLFO.

Estou provendo apenas em parte o recurso.

De fato, apesar de haver alguma confusão nas razões da petição que veicularam o pedido de direito real de habitação, ora referindo-se a usufruto, ora a habitação, mostra-se claro que a intenção de RUDOLFO é permanecer morando no imóvel onde já reside por mais de 22 anos.

Logo, não era mesmo o caso de se estabelecer usufruto, mas direito real de habitação, conforme prevê o CC art. 1.831.

Daí o parcial provimento que estou dando a este apelo.

Quanto ao mais, não tenho a menor dúvida de que ao viúvo RUDOLFO deve ser assegurado o direito real de habitação sobre esse imóvel localizado em canoas, no qual ele mora há mais de 22 anos.

Segundo o art. 1.831 do Código Civil “Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar.”.

A expressão “daquela natureza” contida na lei não se refere apenas ao termo “imóvel”, mas ao “imóvel destinado à residência da familiar”, o que, no caso dos autos, há apenas um, o de Canoas, onde mora o viúvo.

O imóvel de Camaquã não se destinava à residência familiar, no sentido que a lei aqui exige.

A intenção do legislador ao garantir tal direito, é a de proteger o cônjuge sobrevivente em sua moradia. Não se trata de privilégio patrimonial em detrimento dos demais herdeiros, mas de proteção a um direito fundamental do cônjuge remanescente.

Ante o exposto, dou parcial provimento ao apelo para, no lugar do usufruto vitalício estabelecido pela sentença em favor de RUDOLFO, garantir-lhe o direito real de habitação.

Des. Ricardo Moreira Lins Pastl (REVISOR)

Acompanho o em. relator.

Em que pese a confusão entre os institutos, entendo ser desnecessária a desconstituição da sentença, já que o casamento regia-se pela comunhão universal de bens, com o que o apelado detém a condição de meeiro e faz jus ao reconhecimento do direito real de habitação, para o que basta a reforma da decisão, como propõe o relator.

Anoto que, segundo o STJ, é possível reconhecer o direito real de habitação mesmo havendo mais de um bem imóvel a inventariar (como é o caso dos autos, já que há outro imóvel em Camaquã), visto que o recorrido com a falecida residiu 22 anos no imóvel de Canoas.

Nessa linha:

DIREITO DAS SUCESSÕES. RECURSO ESPECIAL. SUCESSÃO ABERTA NA VIGÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. COMPANHEIRA SOBREVIVENTE. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO. ART. 1.831 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. [..] 4. No caso concreto, o fato de haver outros bens residenciais no espólio, um utilizado pela esposa como domicílio, outro pela companheira, não resulta automática exclusão do direito real de habitação desta, relativo ao imóvel da Av. Borges de Medeiros, Porto Alegre-RS, que lá residia desde 1990 juntamente com o companheiro Jorge Augusto Leveridge Patterson, hoje falecido.5. O direito real de habitação concede ao consorte supérstite a utilização do imóvel que servia de residência ao casal com o fim de moradia, independentemente de filhos exclusivos do de cujus, como é o caso. 6. Recurso especial não provido.(REsp 1329993/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, j. em 17/12/2013, DJe 18/03/2014)

Ante o exposto, também dou parcial provimento ao recurso.

Dr. José Pedro de Oliveira Eckert - De acordo com o (a) Relator (a).

DES. ALZIR FELIPPE SCHMITZ - Presidente - Apelação Cível nº 70061027090, Comarca de Canoas: "DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME."

Julgador (a) de 1º Grau: MARIANA SILVEIRA DE ARAUJO LOPES

Disponível na Jurisprudência do IBDFAM, do Dia 07 de Janeiro de 2015.

http://ibdfam.org.br/jurisprudencia/2962/Invent%C3%A1rio.%20Direito%20real%20de%20habita%C3%A7%C3%A3o