PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Registro: 2013.0000126203 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0029997- 39.2011.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante ANNA SPALLICCI, é apelado MARIO RENATO SPALLICCI. ACORDAM, em 5ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram parcial provimento ao recurso, V.U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores MOREIRA VIEGAS (Presidente) e JAMES SIANO. São Paulo, 6 de março de 2013. J.L. Mônaco da Silva RELATOR Assinatura Eletrônica PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Voto : 7720 Apelação : 0029997-39.2011.8.26.0100 Apelante : Anna Spallicci Apelado : Mário Renato Spallicci Comarca : São Paulo Juiz(a) : Dr. Marco Aurélio Paioletti Martins Costa TESTAMENTO - Abertura, registro e cumprimento - Herdeira que comunicou a existência de testamento cerrado deixado pelo de cujus - Sentença extintiva do processo, com base no art. 267, inc. VI, do Código de Processo Civil, porque o testamento já foi apresentado aberto - Inconformismo - Acolhimento parcial – Matéria alegada que não pode ser discutida nos acanhados limites do procedimento de jurisdição voluntária, exigindo ação própria - Possibilidade, no entanto, do registro e arquivamento do testamento - Inteligência do art. 1.126, parágrafo único, do referido diploma processual - Cumprimento do testamento que dependerá do que for decidido em outro processo - Sentença reformada em parte - Recurso parcialmente provido. Trata-se de pedido de abertura, registro e cumprimento de testamento formulado por Anna Spallicci em decorrência do falecimento de Mario Spallicci. Alegou a autora, em síntese, que Mario Spallicci, brasileira, viúvo, médico, faleceu em 3 de novembro de 2010, deixando testamento cerrado. Requereu, assim, as providências previstas nos arts. 1.125 a 1.129 do Código de Processo Civil. O MM. Juiz a quo extinguiu o processo, sem julgamento de mérito, nos termos do art. 267, inc. VI, do Código de Processo Civil, porque a autora apresentou o testamento cerrado já aberto, com violação ao art. 1.875 do Código Civil. Inconformada, apela a autora requerendo a cassação da r. sentença extintiva, firme no argumento de que encontrou tal testamento após a morte de Mario e, por ímpeto, sem conhecimento dos procedimentos legais, abriu-o em decorrência de normal e compreensível ansiedade de tomar conhecimento de seu conteúdo. Afirma não haver nenhum dispositivo legal que imponha a invalidade do testamento aberto por um dos herdeiros após a morte do testador. Pede o provimento do recurso para possibilitar a tramitação do procedimento. Recurso recebido, processado e respondido (v. fls. 39 e 43/51). O Ministério Público de 1º grau manifestou-se pela manutenção da r. sentença apelada (fls. 53/55). Nesta instância, porém, a douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo provimento do recurso (fls. 61/63). É o relatório. O recurso comporta parcial provimento. Com efeito, o art. 1.875 do Código Civil estabelece o seguinte: “Falecido o testador, o testamento será apresentado ao juiz, que o abrirá e o fará registrar, ordenando seja cumprido, se não achar vício externo que o torne eivado de nulidade ou suspeito de falsidade”. No mesmo sentido dispõe o art. 1.125, caput, do Código de Processo Civil: “Ao receber testamento cerrado, o juiz, após verificar se está intacto, o abrirá e mandará que o escrivão o leia em presença de quem o entregou”. É dizer, a legislação de regência outorgou ao juiz a prerrogativa de abrir o testamento cerrado. Todavia, o fato de o testamento encontrar-se aberto, como sucedeu na espécie dos autos, não o invalida necessariamente, como pareceu ao MM. Juiz de 1º grau, desde que o interessado (ou interessados) prove que o documento foi aberto inadvertidamente, sem o conhecimento ou a autorização do testador. Note-se que o art. 1.972 do Código Civil prevê duas hipóteses de revogação do testamento cerrado: a) documento aberto ou dilacerado pelo próprio testador; b) documento aberto ou dilacerado por outrem com o consentimento do testador. Ou seja, a abertura por terceiro só revoga o testamento se houver o consentimento ou a autorização do testador. Ao comentar esse dispositivo legal, Mauro Antonini escreve: “Em regra, o testamento só pode ser revogado por outro testamento válido (art. 1.969). A única exceção é a do art. 1.972. O testamento cerrado será considerado revogado se o testador o abrir ou dilacerar, ou se isso for feito por outrem com consentimento dele. Tal meio de revogação pressupõe ato consciente do testador. Se, ao abrir o testamento, estava incapacitado por doença mental, fica preservada a validade do testamento. O testamento também fica mantido se sua abertura ocorreu de forma involuntária acidentalmente, ou se feita por outrem sem consentimento do testador” (Código Civil Comentado, Coordenador Ministro Cezar Peluso, Manole, 6ª edição, p. 2307). Pelo que se vê, há questões que reclamam esclarecimentos, a saber: 1) O testamento foi encontrado antes ou depois da morte do testador? 2) O testamento foi aberto antes ou depois da morte do testador. Aliás, o apelado alega, nas contrarrazões, não haver prova de que “o testamento teria sido aberto somente depois da morte do testador, inadvertidamente, pela apelante” (v. fls. 48, item “22”). E com integral razão, porque não há prova das alegações contidas na inicial. Ademais, considerando que o art. 1.869, caput, do Código Civil impõe ao tabelião, logo após a lavratura do auto de aprovação, o dever de cerrar e coser o instrumento, é de imperiosa necessidade apurar em que local se encontra o invólucro do testamento. Todas essas dúvidas não podem ser dirimidas nos acanhados limites do procedimento de jurisdição voluntária. Reclamam a instauração de processo de conhecimento a fim de que os herdeiros de Mario Spallicci possam provar as suas alegações. No procedimento de jurisdição voluntária não há lide, mas mera divergência passível de exame pelo magistrado. E tampouco partes, senão interessados, a ponto de o legislador, em várias oportunidades, valer-se da nomenclatura “interessados” (v.g., arts. 1.104, 1.105, 1.107, 1.113, 1.128, 1.129, 1.132, 1.141). Discorrendo sobre a apresentação e a aprovação do testamento cerrado, Ernane Fidélis dos Santos adverte: “Assim é que se chega a entender que o número de testemunhas instrumentárias hábeis, em alguns casos, pode ser até relegado, como também possível será o cumprimento do testamento cerrado, quando provado ficar que seu detentor é quem o violou, sem que o testador do ato tivesse ciência. Tais questões, no entanto, não podem ser objeto de decisão nos estritos limites de jurisdição voluntária, competindo ao juiz negar a aprovação pleiteada depois de registrado e arquivado o testamento, com remessa dos interessados às vias ordinárias” (Manual de Direito Processual Civil, Saraiva, vol. 3, 2006, 10ª ed., p. 427). No entanto, a remessa dos interessados às vias ordinárias não impede o registro e o arquivamento do testamento no cartório a que tocar, nos termos do art. 1.126, parágrafo único, do Código de Processo Civil. Ou seja, o cumprimento do testamento dependerá do que for decidido em outro processo. Em suma, a apelante poderá valer-se de ação própria para comprovar que não houve a revogação do testamento cerrado. O registro e o arquivamento do testamento deverão ser feitos em 1ª instância. Ante o exposto, pelo meu voto, dou parcial provimento ao recurso. J.L. MÔNACO DA SILVA Relator Fonte: Disponível na Jurisprudência do Dia 30 de Setembro de 2014, do IBDFAM http://ibdfam.org.br/assets/img/upload/files/TJ-SP_APL_00299973920118260100_7d4a9.pdf