13 de April de 2016
USUCAPIÃO REGISTRAL, por Mario Mezzari

GLOSA AOS DISPOSITIVOS LEGAIS

LEI DOS REGISTROS PÚBLICOS REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 13.105, de 2015

“Art. 216-A. Sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, que será processado diretamente perante o cartório do registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo, a requerimento do interessado, representado por advogado, instruído com:

Comentário. 1 – Caso o requerente seja casado, o pedido deverá ser feito por marido e mulher. (base legal: CC, artigo 1.647, II). Comentário. 2 – É dispensado o reconhecimento das firmas na procuração e na petição. (base legal: a redação do artigo 38 do CPC, dada pela Lei nº 8.952, de 1994). Art. 38. A procuração geral para o foro, conferida por instrumento público, ou particular assinado pela parte, habilita o advogado a praticar todos os atos do processo, salvo para receber citação inicial, confessar, reconhecer a procedência do pedido, transigir, desistir, renunciar ao direito sobre que se funda a ação, receber, dar quitação e firmar compromisso. (Redação dada pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994) Comentário. 3 – Deverá constar na petição o endereço no qual o advogado receberá intimações. (base legal: CPC, artigo 39, I). Art. 39. Compete ao advogado, ou à parte quando postular em causa própria: I - declarar, na petição inicial ou na contestação, o endereço em que receberá intimação; II - comunicar ao escrivão do processo qualquer mudança de endereço. Parágrafo único. Se o advogado não cumprir o disposto no no I deste artigo, o juiz, antes de determinar a citação do réu, mandará que se supra a omissão no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, sob pena de indeferimento da petição; se infringir o previsto no no II, reputar-se-ão válidas as intimações enviadas, em carta registrada, para o endereço constante dos autos. Comentário. 4 – A petição poderá ser assinada digitalmente. (base legal: CPC, artigo 38 … Parágrafo único. A procuração pode ser assinada digitalmente com base em certificado emitido por Autoridade Certificadora credenciada, na forma da lei específica. (Incluído pela Lei nº 11.419, de 2006).

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I - ata notarial lavrada pelo tabelião, atestando o tempo de posse do requerente e seus antecessores, conforme o caso e suas circunstâncias;

Comentário. 5 - Descrevem-se a área, as confrontações, a localização, a situação perante a Fazenda Pública, o período da posse exercida pelo requerente e pelos antecessores, se for o caso, bem como a forma de transferência ou transmissão. Na narração do histórico da posse, é de grande importância, também, o relatório de sua destinação ao longo do tempo, de sorte a ficar retratado o exercício no passado até o momento presente. Conveniente que, em sequência, ou em outra ata, se colham os depoimentos de pessoas que conheçam o imóvel e a posse exercida, com a rememoração do histórico e das particularidades. Comentário. 5.1 – Embora a planta e o memorial sejam referidos somente no inciso II, parece-nos fundamental que já estejam prontos a fim de que o Notário possa se servir dos dados descritivos do imóvel. Comentário. 5.2 - A ata notarial tem por finalidade serem atestados fatos; fatos somente podem ser atestados se colhidos no local; portanto, parece-me indispensável que o Notário compareça ao local e constate equivalência mínima entre memorial e planta em cotejo com o imóvel físico. Afinal, como poderá ser atestado o tempo de posse se não houver contato direto com o imóvel e seus lindeiros? Veja que a lei diz que o Notário deverá atestar o tempo de posse, e não apenas colher depoimentos. Comentário. 5.3 - A coleta de declarações é que deverá ser feita em Escritura Pública Declaratória, que poderão se constituir em várias, dependendo das circunstâncias de cada caso. Comentário. 5.4 – Na análise do “justo título”, deverá o Notário (e o Registrador) verificar se a via da usucapião não constitui uma forma de sonegar o imposto de transmissão.

Comentário. 6 – Os documentos apresentados ao Notário deverão ser por ele certificados em breve relato e anexados à Ata Notarial.

Comentário. 7 – A usucapião pode ter por objeto o domínio (propriedade plena) ou servidão aparente. Espécies de usucapião abrangidas: Usucapião Extraordinária- 15 Anos-CC, art. 1.238 Usucapião Extraordinária Habitacional- 10 anos-CC, art. 1.238, §único Usucapião Especial Rural- 5 anos-CF, art. 191; CC, art.  1.239 Usucapião Especial Urbana- 5 anos-CF, art. 183; CC, art.  1.240 e Lei 10.257, Art. 9. Usucapião Ordinária/comum- 10 anos-CC, art. 1.242 Usucapião Ordinária Pro Labore- 5 anos-CC, art. 1.242, §único Usucapião de Servidões- 10 anos-CC, art. 1.379 Usucapião Especial Urbana Coletiva- 5 anos-Lei 10.257, Art. 10.

Comentário. 8 – A chamada usucapião extrajudicial decorrente de regularização fundiária, originada em título de legitimação de posse, segue o rito próprio estabelecido na Lei nº 11.977.

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II - planta e memorial descritivo assinado por profissional legalmente habilitado, com prova de anotação de responsabilidade técnica no respectivo conselho de fiscalização profissional, e pelos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes;

Comentário. 9 - Diferentemente da petição e da procuração, a planta e o memorial deverão ter as firmas reconhecidas: (1) requerente(s), (2) profissional, (3) proprietário(s) tabular(es), (4) lindeiro(s) e (5) titulares de direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo.

Comentário. 10 - Quanto aos lindeiros, deverão comprovar esta situação mediante apresentação de prova documental (certidão da matrícula) – caso haja titulares de direitos também nas matrículas dos imóveis lindeiros, estes também deverão anuir.

Comentário. 11 – Deverá ser apresentada ART ou RRT, conforme o profissional esteja vinculado ao CREA ou ao CAU.

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III - certidões negativas dos distribuidores da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente;

Comentário. 12 - Estas certidões envolvem a esfera civil, penal, administrativa, trabalhista, tributária etc. Portanto, as certidões deverão ser buscadas na Justiça Estadual, na Justiça Federal e na Justiça Trabalhista. Qual a razão destas certidões? O que acontece se as certidões forem positivas? Pretender-se que tais certidões destinem-se a provar que o imóvel não está sendo objeto de ação judicial revela desconhecimento do sistema de buscas na esfera judicial: o Poder Judiciário não tem Livro Indicador Real. E também de pouco adiantará serem extraídas certidões dos usucapientes e dos proprietários tabulares, eis que a usucapião ou qualquer ação possessória pode estar sendo movida por terceira pessoa, desconhecida, mormente em se tratando de usucapião em que não se constate a existência de proprietário formal. Há excelentes doutrinadores, como o Dr. Júlio César Weschenfelder, que entende que a necessidade de tais certidões em nome do(s) requerente(s) seja para evitar a tramitação de usucapião administrativa, já havendo ação de usucapião em curso no Judiciário. Se já há ação tramitando, não é viável a tramitação paralela da usucapião administrativa, eis que presente a litispendência decorrente da ação em curso na via judicial. No entanto, como o legislador não limitou esta certidão à esfera cível nem à Justiça Estadual, aguardemos a solução que a doutrina e a jurisprudência trarão.

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IV - justo título ou quaisquer outros documentos que demonstrem a origem, a continuidade, a natureza e o tempo da posse, tais como o pagamento dos impostos e das taxas que incidirem sobre o imóvel.

Comentário. 13 – Devem ser apresentados contratos, escrituras, recibos, etc.

V – Certidão positiva ou negativa de registro do imóvel

Comentário.14 - Não está na lista da lei mas é necessária. Comentário. 15 – O registrador de imóveis deverá fazer buscas minuciosas em seu próprio cartório e exigir apresentação de certidão dos cartórios onde anteriormente o imóvel possa ter sido registrado. Comentário. 16 – Uma das maneiras mais fáceis de buscar imóveis que não tenham registro próprio (ou seja, com as características atuais) é a de examinar a cadeia histórica dos imóveis lindeiros. Possivelmente chegar-se-á a uma gleba maior, a partir da qual se pode saber se o imóvel está contido em alguma porção dela destacada, ou se ainda se encontra remanescendo na transcrição original. É com base nestas buscas que será emitida a certidão e estabelecida a titularidade tabular do imóvel, para os efeitos de obter-se a concordância exigida pela lei.

VI – Certidões dos imóveis lindeiros Comentário. 17 - Para verificação de quem sejam os titulares de direitos reais e de outros direitos. Na usucapião de unidade autônoma, são confrontantes os titulares de direitos sobre as unidades que tem meação em paredes, ou seja, aquelas que efetivamente forem lindeiras com a usucapienda.

  • 1o O pedido será autuado pelo registrador, prorrogando-se o prazo da prenotação até o acolhimento ou a rejeição do pedido.

Comentário. 18 – Significa que ao procedimento de usucapião registral não se aplica a regra do artigo 205 da LRP.

  • 2o Se a planta não contiver a assinatura de qualquer um dos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes, esse será notificado pelo registrador competente, pessoalmente ou pelo correio com aviso de recebimento, para manifestar seu consentimento expresso em 15 (quinze) dias, interpretado o seu silêncio como discordância.

Comentário. 19 - O oficial do registro de imóveis poderá encaminhar a notificação através do RTD. Comentário. 20 – Caso haja manifestação negativa ou silêncio de algum dos notificandos, deve ser intimado o advogado para que tome providências que entenda cabíveis. Não resultando em manifestação positiva dos notificandos, encerra-se o procedimento e remete-se o interessado às vias ordinárias (judiciais). Aplica-se a este parágrafo a presunção de que o silêncio significa discordância.

  • 3o O oficial de registro de imóveis dará ciência à União, ao Estado, ao Distrito Federal e ao Município, pessoalmente, por intermédio do oficial de registro de títulos e documentos, ou pelo correio com aviso de recebimento, para que se manifestem, em 15 (quinze) dias, sobre o pedido.

Comentário. 21 – Caso haja manifestação negativa de algum dos notificandos, deve ser intimado o advogado para que tome providências que entenda cabíveis. Não resultando em manifestação positiva dos notificandos, encerra-se o procedimento e remete-se o interessado às vias ordinárias (judiciais). Comentário. 22 – Aplica-se a este parágrafo a presunção de que o silêncio significa concordância. Comentário. 23 – A intimação destes órgãos será feita por via postal. Base legal: CPC - Art. 943. Serão intimados por via postal, para que manifestem interesse na causa, os representantes da Fazenda Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios. (Redação dada pela Lei nº 8.951, de 13.12.1994)

Comentário. 24 - Havendo manifestação contrária à pretensão, deverá ser intimado o advogado.

  • 4o O oficial de registro de imóveis promoverá a publicação de edital em jornal de grande circulação, onde houver, para a ciência de terceiros eventualmente interessados, que poderão se manifestar em 15 (quinze) dias.

Comentário. 25 - A publicação do edital somente se dará se forem positivas as manifestações dos relacionados no § 2º e não houver manifestação negativa dos enumerados no § 3º. Caso contrário, não se deve onerar o requerente com a publicação inútil, salvo pedido expresso do advogado/requerente. Comentário. 26 – O Edital deve ser emitido pelo Registro de Imóveis, mas a publicação deverá ser providenciada pelo advogado/requerente, haja vista os custos de jornal. Comentário. 27 – Considerando que a lei não especifica o número de publicações, entende-se que deverá ser feita apenas uma vez.

  • 5o Para a elucidação de qualquer ponto de dúvida, poderão ser solicitadas ou realizadas diligências pelo oficial de registro de imóveis.

Comentário. 28 – As despesas com a realização de diligências deverão ser arcadas pelo requerente.

  • 6o Transcorrido o prazo de que trata o § 4o deste artigo, sem pendência de diligências na forma do § 5º deste artigo e achando-se em ordem a documentação, com inclusão da concordância expressa dos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes, o oficial de registro de imóveis registrará a aquisição do imóvel com as descrições apresentadas, sendo permitida a abertura de matrícula, se for o caso.

Comentário. 29 – Caso a descrição do imóvel usucapiendo esteja em perfeita consonância com a constante na matrícula, o registro da aquisição será feito neste. Caso haja divergências, na matrícula existente deverá ser averbada a usucapião, encerrando-a; e será aberta matrícula do imóvel, nela registrando-se a aquisição.

  • 7o Em qualquer caso, é lícito ao interessado suscitar o procedimento de dúvida, nos termos desta Lei.

Sem comentários.

  • 8o Ao final das diligências, se a documentação não estiver em ordem, o oficial de registro de imóveis rejeitará o pedido.

Comentário. 30: a rejeição ao pedido não ocorrerá somente ao final, senão que a falta de anuências e/ou impugnações dos órgãos públicos, acarretará o fim do procedimento extrajudicial e exigirá o envio da demanda às vias ordinárias (judiciais).

---------------------------------- § 9o A rejeição do pedido extrajudicial não impede o ajuizamento de ação de usucapião.

  • 10. Em caso de impugnação do pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, apresentada por qualquer um dos titulares de direito reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes, por algum dos entes públicos ou por algum terceiro interessado, o oficial de registro de imóveis remeterá os autos ao juízo competente da comarca da situação do imóvel, cabendo ao requerente emendar a petição inicial para adequá-la ao procedimento comum.”

Comentário. 31- A qualquer tempo é lícito ao advogado/requerente pedir a suspensão do procedimento extrajudicial. No entanto, se quiser arcar com as despesas – inclusive de edital – para que somente ao final a causa seja remetida à via judicial, o registrador de imóveis não poderá se opor.

Emolumentos

Comentário. 32 A Lei de Emolumentos não contempla o pagamento pelo processamento da usucapião registral e nem o poderia, dada sua anterioridade. Mas é possível buscar na própria legislação alguns elementos que podem levar a uma solução razoável. A primeira norma a ser considerada está contida no parágrafo único do artigo 1º da Lei Federal nº 10.169, de 2000:O valor fixado para os emolumentos deverá corresponder ao efetivo custo e à adequada e suficiente remuneração dos serviços prestados. A segunda advém exatamente da Lei Estadual de Emolumentos (parágrafo único do artigo 1º): O valor dos emolumentos deverá … corresponder ao efetivo custo e à adequada e suficiente remuneração dos serviços prestados, que contemple os investimentos e a responsabilidade civil atribuída a notários e registradores. O procedimento extrajudicial de usucapião é complexo, trabalhoso e absolutamente estranho à atividade registral. Mas não se argumente com a enorme carga de responsabilidade civil, porque esta é inerente a todos os atos da esfera registral e notarial. O que se deve buscar é que os emolumentos correspondam ao efetivo custo, sejam adequados e remunerem suficientemente o registrador imobiliário, possibilitando que o mesmo faça os investimentos que seu cartório exige para acompanhar a demanda cada dia mais afeita à esfera tecnológica. Portanto, não se pode imaginar que este trabalho seja remunerado como “registro sem valor declarado”. Não é matando a galinha que se conseguem ovos. Sem o uso de analogia, paridade ou qualquer outro fundamento similar, mas com a aplicação das normas já existentes se pode ter um rumo claro. Vejamos: a CGJ/RS determina, na CNNR, que Art. 447 - As inexigibilidades tributárias por imunidade, não-incidência e isenção ficarão condicionadas ao seu reconhecimento pelo órgão arrecadador competente. A usucapião é forma de aquisição da propriedade e nas legislações municipais encontra-se que é caso de não-incidência. Ora, se a não-incidência precisa ser reconhecida pela autoridade fazendária, o valor de avaliação que tal autoridade informar pode servir para cobrança de emolumentos. Desta forma, usucapião de imóvel de maior valor pagará mais; de menor valor pagará menos; e se estará próximo a uma solução mais justa. Some-se a isso as notificações que vier a fazer, certidões, diligências e outros atos com previsão expressa na tabela de emolumentos.

Mario Pazutti Mezzari Março de 2016

12/04/2016

Disponível no site do Colégio Registral RS

http://www.colegioregistralrs.org.br/publicacoes/doutrinaCompleta?id=31813